Uruguai: do Chuí à Colônia De Sacramento a pé, de carona e longboard

1foto capaPor Fayson Merege

Abraços apertados, nó na garganta, mochila nas costas e vai embora junto comigo aquela lágrima que estava se segurando pra não cair. O desapego é tão constante que chega uma hora que a gente percebe que pode se apegar mesmo sem apego. Foi assim que vivi no Uruguai por 25 dias em junho de 2016 entre lugares, pessoas, momentos, encontros, lembranças, novas amizades e velhos amigos. Eu já estava na estrada há 3 meses viajando por todo o litoral sul brasileiro desde que saí de Curitiba – PR.

Como havia conseguido hostels para trabalhar em troca de hospedagem/alimentação, tinha um amigo pra ficar em Montevideo e um couchsurfing em Colônia de Sacramento, queria viver a aventura de fazer todo o litoral uruguaio de forma alternativa. Quando se está na estrada você aprende que tudo pode mudar numa fração de segundos e isso muitas vezes, não depende de você e isso lhe faz ser adaptável a qualquer situação. A missão não era fácil, afinal, seriam 600 km ao total (mesmo parando em algumas cidades).

Eu cheguei à aduana Brasil – Uruguai por volta das 23:50 numa sábado (04/06/16). Fiz todo o processo de entrada no país e acabei passando a noite por ali mesmo para então no outro dia pela manhã seguir pela estrada. Depois de uma noite praticamente em claro, às 07:30 comecei a jornada até o primeiro destino: Punta Del Diablo (40km). Na aduana mesmo tentei algumas caronas, mas não obtive sucesso e então resolvi ir caminhando e alternando com o long até o acesso à BARRA DE CHUY (cerca de 10km). Parei em um ponto de ônibus pra descansar e estrada quase não tinha trânsito e eu pensava comigo: “vai ser difícil conseguir carona”.

Continuei e acredito que após uns 2km caminhando um carro passou, buzinou, deu sinal e luz e parou alguns metros à frente. Era a minha primeira carona naquela manhã fria e gelada de inverno uruguaio.

“Olá, para onde você vai?” – Perguntou Martinez

“Estou indo para Punta Del Diablo” – respondi

“Eu trabalho em La Coronilla, te ajuda?” – Questionou ele

“Claro que sim” – Respondi mesmo sem saber onde ficava a cidade, rs.

Selfie com Martinez – minha 1ª carona
Selfie com Martinez – Minha primeira carona.

20 minutos depois estávamos no trevo que dava acesso à La Coronilla onde ele me deixou e seguiu pra sua casa/trabalho. Faltava então 20km pra chegar até o destino e um dia todo para realizá-lo. Pensei que seria fácil conseguir outra carona e chegar logo, mas, por ser muito cedo e a estrada estar vazia acabei não conseguindo, ou seja; 4h depois de caminhada estava eu chegando à Punta Del Diablo. Cheguei por volta das 14h e deu pra aproveitar um dia lindo de sol, embora fizesse muito frio.

Não havia muita gente e acampei na praia mesmo em lugar meio escondido. Conforme as horas iam passando, o sol indo embora o frio foi aumentando. Fiz um super rango de miojo com queijo (risos) lá pelas 19:30 e comecei a me preparar para dormir. Lá pelas 23h fazia -2º estava quase congelando dentro da barraca. Coloquei o celular pra despertar às 8h e dormir.

Acordei, preparei meu café e comecei a arrumar minhas coisas para seguir viagem com destino à Cabo Polônio. Ás 9h já estava na estrada buscando por carona e tive sorte. Após 10 minutos acenando um carro diminuiu a velocidade e parou. Era a minha segunda carona e me surpreendeu pelo fato de ser uma mulher com duas crianças no banco de trás.

Marinella e suas duas filhas – Minha 2ª carona
Marinella e suas duas filhas – Minha segunda carona

Ela super gentil me perguntou:

– “Está indo para onde menino”

– “Quero chegar a Cabo Polônio” – respondi

– “Estamos indo para Castillos que fica perto, você aceita”

– “Claro que sim, me ajuda e muito” – respondi feliz da vida.

Castillos fica à +/- 40km de Punta Del Leste e à 25km de Cabo Polônio. Iniciei minha carona com ela por volta das 9:30 e chegamos na estrada da cidade por volta das 10:15. Nossa principal conversa foi sobre como dia estava lindo, apesar do frio. Quando nos despedimos ela me disse:

“Menino, você é muito corajoso em fazer isso, sorte”

Além de me proporcionar uma viagem rápida e confortável, ainda me disse palavras motivacionais. Foi o combustível que precisava para seguir firme naquilo que estava fazendo.

Não tive a mesma sorte entre Castillos – Cabo Polônio e tive que fazê-lo caminhando os 25km. A parte boa é que havia várias descidas leves e foi tranquilo descer com o long, o que me ajudou a descansar as costas e ganhar tempo.

Umas das descidas a caminho de Cabo Polônio
Uma das descidas a caminho de Cabo Polônio

Cheguei a Cabo Polônio e fui atrás do hostel que iria trabalhar por 2 dias (Viejo Lobo). Tudo o que precisava era um banho e uma cama pra descansar. Arrumei minhas coisas no quarto, comi e fui conversar com o dono sobre as coisas que iria fazer enquanto estivesse ali. Entre as tarefas destinadas a mim, arrumei camas, servia o café da manhã e fiz algumas fotos pra eles. Por ser inverno não havia muito movimento e todas as noites a galera se reunia para o tradicional mate à beira da lareira.

Entardecer no farol – Cabo Polônio
Entardecer no farol – Cabo Polônio

Cabo Polônio é a praia mais mágica do Uruguai e com certeza você tem que conhecer na sua próxima trip ao país.

O próximo destino era La Paloma para trabalhar no Hostel Arazá por tempo indeterminado (quando conversei com o Puppo por mensagem, ele disse que poderia ficar quantos dias quisesse). O maior perrengue que passei nesse trip foi nesse trajeto entre Cabo Polônio – La Paloma, pois tive que voltar até Castillos para então seguir até La Paloma.

mapa

Seria mais fácil fazer pela rota azul no mapa, porém, a estrada é de chão e tem muito pouco movimento, ou seja; a chance de conseguir uma carona seria 1% e eu teria que fazer os 50km a pé. A opção foi então voltar até a RUTA 9 e ter uma chance maior de caronas. Então andei novamente os 25km até Castillos e foi muito difícil, pois havia muita subida e eu tinha uma mochila de uns 25kg nas costas + long. Já estava me programando pra armar a barraca e dormir à beira da estrada ou em algum posto de gasolina. Esse foi com certeza o dia mais difícil da trip. Após ter caminhado quase 5h desde às 8h quando saí do hostel, consegui uma carona com o Julio.

motora

A carona com Julio foi a mais divertida e a mais longa. Ao todo foram quase 60km desde Castillos à Rocha. Eu estava no Uruguai bem na época do Impeachmeant da Dilma e o principal assunto foi sobre a política brasileira. Ele me contou que seu sonho é ser um escritor e que ama filmes ou algo relacionado ao gênero policial/suspense. Viúvo há 5 anos, contou-me também que vivia uma vida solitária em sua cidade. Nossa viagem durou quase 2 horas (tivemos que parar em um posto de gasolina porque sua camionete quase pegou fogo, hahaha). Ele me deixou no trevo na entrada para cidade/distrito de Rocha – La Paloma e já era quase 16:30.

Eu já estava preocupado porque ainda faltavam 20km até La Paloma, estava escurecendo e o tempo virando pra chuva. Acabei parando em um ponto de ônibus para pensar o que fazer e acabei conhecendo o Gabriel (naquele dia foi o Anjo Gabriel que me salvou). Começamos a conversar e eu disse que estava viajando de carona e que não sabia como iria fazer pra continuar. E então ele questionou:

– “Se você esperar eu pegar minha moto, você aceita que eu te leve até La Paloma”?

– “Claro” – respondi sem pensar duas vezes

– “Me espera aqui que daqui 10’ eu volto” – respondeu ele

Pra ser bem sincero não botei fé, mas, acabei esperei. Não tinha alternativa mesmo. Passado alguns minutos ouço uma buzina e quando olho, era ele com sua moto me dizendo: VAMOS.

Passei um frio lascado, mas, foi alucinante a carona
Passei um frio lascado, mas, foi alucinante a carona

Depois de 1 dia todo na estrada finalmente eu chegava no hostel Arazá quase 17:30, cansado e com fome. Mas sobre tudo isso, eu tiro um aprendizado:

“Nossa razão sempre quer nos trair e nos deixar preocupados. E às vezes é difícil lidar com isso. Viver com incertezas não é fácil. Precisamos aprender a desfrutar o máximo de cada dia e manter nossa mente sã e ter a tranquilidade para buscar o necessário e o básico de cada dia”.

Os 3 dias que acabei ficando no hostel foram sensacionais. A vibe do lugar era incrível e ainda foi bem na época da Copa América. Todo jogo do Uruguai era casa cheia.

Sendo voluntário na limpeza de praias no Uruguai
Sendo voluntário na limpeza de praias no Uruguai

Além de ter trabalhado no hostel ajudando na limpeza geral, cortando lenha e até fazendo um poço artesiano, fui voluntário no dia Nacional de Limpeza de Praias no Uruguai. Rodrigo (foto) namora uma brasileira e os dois são biólogos.

Minhas mãos doem só de lembrar, rs
Minhas mãos doem só de lembrar, rs

Mais importante que acumular coisas, é preservar o que se tem no AGORA

Eu não tinha planejado quantos dias ficaria em La Paloma e isso fez com que eu ficasse aberto a novas possibilidades. E foi justamente isso que aconteceu quando segui para Montevideo 3 dias depois. Na noite de sábado (11/06/16) chegou um casal brasileiro só pra passar a noite e no outro dia seguir viagem. Acabamos conversando e perguntei se poderia ir com eles de carona.

Greg & Nicole no hostel que iriam ficar em Montevideo
Greg & Nicole no hostel que iriam ficar em Montevideo

Disseram que sim e por fim fiz um rolê junto com o casal gaúcho Gregório & Nicole por Punta Del Leste e Punta Ballena até chegar em Montevideo. Tomamos nosso café e logo seguimos viagem. Eles tinham reserva em Montevideo no dia 13 (segunda) e queriam passar uma noite em Punta Del Leste (mas acabaram não ficando). Foi um dia de tour pelas praias entre as cidades até chegarmos à capital uruguaia. Eles foram para o hostel e eu fui pra casa de um amigo.

Mesmo que nada dure para sempre, a vida continua todos os dias. E a cada passagem da vida, não somos mais os mesmos. Estamos sempre nos (re)inventando. Queremos ficar sós e juntos. Somos momentos de fim e recomeço. Somos o que temos e o que não temos, mas, sobretudo, somos o que damos uns para os outros.

Família do Camilo
Família do Camilo

Eu conheci o Camilo no Atacama em 2015 e acabamos trocando figurinhas, hehe. Aquela coisa de mochileiro que conhece a pessoa num dia e já viram melhores amigos e oferece a casa para uma visita. Acabei ficando 12 dias na casa e uma das melhores recordações que tenho, era sentar com o seu pai (Marcos) tomando o mate e conversando sobre vários assuntos enquanto esperava o Cami chegar do trabalho. É um amigo que levarei para a vida toda.

Minha última foi com o Camilo. Ele resolveu me levar de Montevideo até Colônia com seu irmão.
Minha última foi com o Camilo. Ele resolveu me levar de Montevideo até Colônia com seu irmão.

Colônia Del Sacramento foi minha última cidade no Uruguai antes de embarcar pra Buenos Aires. Fiquei 3 dias na casa do Mariano (meu couchsurfing) e não queria ir embora, rs. Não só pela hospitalidade dele, mas, porque pra mim, Colônia é a cidade mais charmosa do Uruguai e uma das mais charmosas da América do Sul. Esse ar rústico e colonial é encantador.

por do sol

Depois de 25 dias no Uruguai rodando de carona, a pé, longboard e gastando aproximadamente R$300, me despedi de Colônia e do país com esse pôr do sol encantador.

“Se tu día está amargo

Sacúdelo um poco

As veces el azúcar

Esta en el fondo” 

Não tenha medo de encarar seus sonhos. Não tenha medo de enfrentar o novo. Não tenha medo do medo. Não deixo o medo paralisar você.

Chega um certo momento que é necessário parar fáceis buscas.

Sair dos atalhos e pegar aquele longo caminho cheio de rochas e espinhos pra deixar nele as pegadas da C O R A G E M

Fayson Merege, 27 anos, formado em Educação Física e Fotógrafo viciado em Documentários/Viagens. Ele esta promovendo uma “vaquinha” para produzir um documentário pela Europa em Agosto/2017, onde junto com um amigo, fará a pé um percurso de 900 km entre Paris e Munique dentro de 30 dias. Se você quiser colaborar e incentivar, clique aqui!

 

 

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